"Trashland" comemora trinta anos em vinil em 2018 e até hoje não é disponível em streaming
Mercenárias é uma seminal banda oitentista punk feminina
brasileira, de São Paulo, e disso muita gente sabe. Depois de lançar o aclamado disco "Cadê As Armas?" em 45 rotações pelo mitológico selo independente
Baratos Afins (de Luis Carlos Calanca) as Mercenárias ganharam a critica e o
público – com execuções fartas de suas musicas em rádios moderninhas naquele
tempo, como a Fluminense FM (Niterói) e a Ipanema FM (Porto Alegre).
Conquistaram espaço primeiro nas revistas – Roll, Bizz – e cadernos de cultura
dos jornais de São Paulo, com focos espalhados pelas cenas punks de outros
Estados, principalmente o Rio de Janeiro. O período era entre 1985 e 1988.
Mas tudo começou em 1983, com Sandra Coutinho (baixo),
Rosália (vocal) e Ana Machado (guitarra), estudantes universitárias em São
Paulo, além de Edgard Scandurra -- que, na
época, tocava em três bandas e teve que deixar a banda, então com Lou
entrando no posto de baterista.
“Trashland” (1988), esse disco atualmente quase esquecido porém cultuado das
Mercenárias, é o segundo álbum e o primeiro por uma multinacional que se arriscou
na onda que surgiu no rock oitentista nacional, a EMI. Ela já tinha dentro do seu quadro profissionais antenados como o produtor Mayrton Bahia, que já lidava com
artistas como Legião Urbana, Zero e Finis Africae no mesmo elenco. Por isso o “Trashland” é um
reflexo da cena deste período -- ainda mais trazendo a assinatura de produção do guitarrista
Edgard Scandurra (Ira!), que já tinha integrado a banda. Quem também assina a
produção é Thomas Pappon (Fellini). O disco nasceu clássico.
Começa por “Lembranças”, com poesia ácida e psicodélica,
guitarras com nuances sutis e vocal emblemático combinado ao baixo soturno. Climão que continua em “Há Dez Anos Passados”
onde a letra decreta que o futuro é ultrapassado, as drogas estão velhas e tudo
está como ontem. A terceira é um rock básico, “Somos Milhões”, informando que o
nosso trabalho sustenta este jogo e utilizando-se da mesma moldura melódica. O
que, aliás, é palmas para o produtor – em deixar o álbum perfeitamente coeso.
Completando o álbum as faixas “Tempo Sem História”, “Ação na Cidade”, “matinê”,
“Mesmas Leis”, “Cadê As Armas?”, “Provérbios do Inferno” – esta sob um poema de
William Blake –, “Kyrie”, “Angelus” e a faixa-título.
“Trashland”, álbum
com a capa assinada pelo artista Michel Spitale e que traz ainda o músico Bocato
tocando trombone como convidado especial na faixa “Kyrie”, confirma o pós-punk
feminino da pioneira banda. É uma mescla das influencias de Sex Pistols, Siouxsie
and the Banshees e Joy Division.
Mesmo não tendo sido trabalhado no mercado
fonográfico à época de seu lançamento, conseguiu ao menos se apresentar no
extinto programa do Faustão na Band, “Perdidos Na Noite” .
O disco foi eleito o melhor do ano pela revista Bizz e,
mesmo assim, as Mercenárias foram dispensadas do elenco nacional da EMI-Odeon
através de um frio e pouco explicativo telegrama postal. Acredite... se quiser!
Ouça aqui o álbum completo que não chegou nas plataformas oficiais, mas tem no
Youtube. (Leonardo Rivera)